27/10/10

O Render dos heróis!



O Render dos heróis!


Hélio Rodrigues

Da guerra os grandes culpados Que espalham a dor da terra, São os menos acusados Como culpados da guerra!


 Foi dura e deixou marcas indeléveis a Guerra Colonial!

Milhares, centenas de milhares de mancebos vestiram camuflado, fizeram ordem unida, afinaram pontaria, deram-lhes especialidade e lá foram, levados, levados sim!..Para a GUERRA!

Alguns regressaram para contar mas outros, pelas picadas de morte, deixaram os corpos inertes e os entes queridos erguendo preces ao céu por sua alma!...

Quase um milhão mobilizados para a guerra de África, quase dez mil mortos, quase cinco mil deficientes! O resto, quase metade, trouxe stress de guerra! Um pavor!...

E hoje não há culpados nem responsáveis! E ninguém perdeu ou venceu porque o que resta da gesta inglória é apenas uma omissão urbi et orbi, já que ficaram entregues a si próprios os soldados que lutaram pela Pátria!...

A única memória que lhes resta são os nomes dos mortos inscritos em pedra e os recalcamentos dos que ainda vivem, provocados por anos de desespero e de sonos mal dormidos !... De passagem por um sítio na net, o You Tube, veio-me tudo à quase apagada memória, visionando um vídeo sobre o norte de Moçambique em Mueda! E um reconto inédito de velhos guerrilheiros, outrora inimigos, e agora irmanados pelos resquícios de uma guerra que, em jeito de catarse, quiseram recordar !... O Alferes Luís de um lado e um negro Maconde de dedo apontado para o local do ataque!... Cento e cinquenta homens com ele zurziram na coluna, numa estrada estreita de terra batida, poucos quilómetros acima do aquartelamento! Aí protagonizaram a guerrilha e agora confraternizavam em nome de uma pátria chamada Língua Portuguesa!... Já não tinham armas, já não tinham camuflado, as minas foram desarmadilhadas, o capim cresceu mas ambos reconheciam o local onde alguns disseram o derradeiro adeus à vida!...
 Assim mesmo como velhos heróis a render homenagem póstuma aos senhores da guerra!... Mas não! Não homenageavam!... Apenas e tão somente reviviam, em processo de catarse, todas as memórias de um instante que talvez, ao tempo, tivesse parecido eterno!... Nem o Alferes Luís nem o guerrilheiro Maconde tinham já plena consciência dos pormenores porque tudo ficou guardado muito para além da recordação pura e simples! Tudo se armazenou no subconsciente e o que estavam a reviver eram números, armas, árvores, mata, afinal nada do que realmente se passara antes!... E morreram homens, e tiveram então medo e talvez tivessem vertido lágrimas de raiva e de dor por uma guerra que os amadureceu precocemente!... Os verdadeiros Senhores morreram e não prestaram contas pelas mortes, pelos inválidos, pelos doentes dessa guerra! Mas também a Pátria não lhes prestou, ainda hoje, o verdadeiro tributo e votou tudo e todos ao abandono! Como se tivessem vergonha ou procurassem, nos homens que lá combateram, os bodes expiatórios para viverem em paz a sua democracia!... Quem lá esteve reclama justiça e honra! Quem lá não foi e hoje governa, ignora por vontade própria a dor dos martirizados! Desvergonha!...

E nem a tença prometida, nem a glória de uma homenagem de Sua Excelência!

Uns quantos livros ou Crónicas, um ou dois filmes, um romance de Lídia Jorge a lembrar às novas gerações que a paz custou vidas, que hoje têm sossego, e pão, e liberdade e um País que ganhou dignidade porque quase um milhão deu de si abnegadamente!... Benditos os corajosos que lutaram! Mas também benditos os que desertaram por convicção! Foi o final do Império, a derrocada, o colapso!... Bendito 25 de Abril que devolveu os seus filhos à terra que os viu nascer para bem daqueles que nasceram mais tarde e hoje não sabem, não querem ou não ousam fazer continência ao render dos heróis!... - Sra Torre do Sino! Querem os homens, alguns homens, apagar da memória a guerra e também Abril, talvez porque pouco se esforçaram nas andanças da libertação e não foram andarilhos da desgraça!
O dia do favor é sempre a véspera da ingratidão e mereciam melhor as gerações que hoje apenas convivem e confraternizam para lembrar dias de calvário!... Saberá a Sra Torre porquê?!... –

Hoje estou de alma e coração consigo, Sra Torre do Relógio! Na velha Roma mandavam-se erguer cidades como Eméritas, hoje Mérida, nas bandas da fronteira, para descanso e repouso dos heróis!...

Hoje, aqui, dá Deus guarida e olvidam-se os homens dos seus guardiães porque perderam memória, porque o passado recente os envergonha!...

Entretanto abraçam-se, na picada, lá longe, velhos guerrilheiros como o Alferes Luís e o Valentim Maconde que ainda sabem estreitar mãos, diferentes de cor, e contar todas as vidas que se finaram!... De que te serve a memória?!... Que aprendeste nas batalhas?!... Se nem lendo a própria História Corriges as tuas falhas!…

2007-08-24 -  Picado com a devida vénia de Jornal do Algarve

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