25/08/11

Janeiro de 1974. Um regresso forçado.

Quando julgava que o inferno da guerra, tinha termina – era essa a informação dada pelo primeiro-sargento Tolentino -, recebo um postal/aviso do depósito de adidos de Lisboa, para apresentar – não lembro essa data -, a fim de embarcar para Angola.
Fiquei incrédulo, se da primeira vez tinha aceitado, como um dever de combate ao sistema, desta não estava psicologicamente preparado, para pisar fardado de novo terras de África.
O primeiro sentimento foi de revolta, e o de “desertar”, as coisas eram fáceis uma vez, que tinha muitos familiares imigrantes, especialmente em França.
Que raio, mas assim como assim, também queria saber o que o regime mais queria de mim. Gostavam assim tanto de quem lhes tinha dado luta? Pelos visto.
Duas centenas de escudos no bolso e no primeiro comboio rumei ao quartel-general do Porto. Foi bater em ferro frio. Nada podiam informar, que só em Lisboa. Nem pensei.
Qual o primeiro comboio a partir rumo à capital. Um transvia, ou seja um daqueles que paravam em todas as estações e apeadeiros, 6 horas e pico de viagem.
Chego a Lisboa ao fim do dia. Numa tasquita, ali, junto á estação mato a fome, e rumo, aos Adidos, onde chego fora de horas. Resultado: sem dinheiro para pagar um quarto… virei sem abrigo e dormi no banco do jardim. Rica vida, quanto ranger de dentes, nessa noite, quantos filhos da puta me vieram à mente. Eu ali deitado ao relento, ao frio e com a barriga a reclamar de novo.
As horas não passam, quando se sente frio e fome, até o mundo parece que vai acabar, só a raiva vai aguentando. Essa sim, era forte.
Nove horas. Porra de barriga a dar horas, com a roupa desalinhada, lá estou eu ao guiché a falar com uma funcionária, bem atenciosa mas mecanizada, revoltado sem medos – depois dizem que somos ou malcriados ou malucos -, a mim foi a última classificação que sempre me valeu. Reclamo a presença de um sargento, que perante a minha “gritaria” se aproxima cheio de ameaças - olha eu cheio de medo -, estava-me cagando para elas.  Lá lhe mostro o postal e sem mais explicações o tipo diz tem de embarcar se existe algum problema está em Angola, e só lá o vais poder resolver.
Silencio.
Refeito, digo ao homem que tenho fome, que dormi ao relento, e pior não tenho dinheiro para regressar a casa. A comida foi minimamente fácil de resolver, pois mandou-me ao refeitório. Quanto ao dinheiro para o regresso, muito embora lhe tenha solicitado uma guia de transporte, argumentando tudo e mais alguma coisa, foi tempo perdido. Aquela Almada empedernida, lá foi falar com outros militares que lá estavam e perguntou-me quanto custava o bilhete do comboio.
Mostrei-lhe o que tinha e disse-lhe quanto era. Consegui um pouco mais num “peditório”. Eu precisava disto? Ali a mendigar, eu que trabalhava, que já tinha dado o corpo ao manifesto. Entre uma confusão de sentimentos que me trespassavam a mente aceitei e agradeci. Sim porque assim fui ensinado.
Regressei a casa, onde cheguei, roto, cansado. Fui trabalhar no dia seguinte. A vida continuava. Tinha data marcada para embarcar, precisava de juntar uns tostões.

... continua.


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